Segundo dados apresentados pelo Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos, países em desenvolvimento possuem entre 40% e 70% da população das grandes cidades vivendo em imóveis informais, demonstrando um déficit na regularização fundiária. No Brasil, cerca de 50% dos imóveis urbanos apresentam alguma irregularidade fundiária.
Assim, são aproximadamente 100 milhões de pessoas vivendo em imóveis irregulares, ou privados de algum tipo de equipamento urbano ou comunitário. Neste cenário, a Lei Federal 13.465 editada em 11 de julho de 2017 pode ser entendida como o novo marco legal da regularização fundiária no Brasil (Ministérios das Cidades, 2017).
Por meio da alteração legislativa, o Governo Federal construiu uma nova política de regularização fundiária urbana. Esta está alicerçada na articulação inter federativa, atuação em larga escala e adoção desta como base das políticas de habitação e infraestrutura do país. A nova legislação amplia o alcance da Regularização. A legislação considera os núcleos informais com usos e características urbanas, ainda que situados em zonas rurais.
Regularização Fundiária
O conceito anteriormente descrito pela lei, o de assentamento irregular, foi substituído pelo conceito de núcleo urbano informal.
O novo conceito contempla núcleos clandestinos, irregulares ou sem titulação dos ocupantes.
A última categoria descrita, diz respeito a núcleos que atendendo à legislação vigente à época da implantação ou regularização, não foi possível realizar a titulação de seus ocupantes, são parcelamentos de: conjuntos habitacionais ou condomínios, horizontais, verticais ou mistos.Além da mudança de nomenclatura, a lei editada em julho também simplifica a classificação da Regularização Fundiária Urbana (Reurb), dando ao Município a competência para determinar a modalidade de regularização: Reurb-S, quando de Interesse Social, ou Reurb-E para as de Interesse Específico.
Buscando direcionar a ação do poder público municipal, a Gove conversou com Thiago Pedrino Simão, ex coordenador Jurídico do Programa Estadual de Regularização Fundiária – Cidade Legal, criado em agosto de 2007 pela Secretaria de Estadual de Habitação, com o objetivo de implementar, agilizar e desburocratizar as ações e os processos de regularizações fundiárias de núcleos habitacionais.
a. A questão da regularização fundiária deve ser prioridade da administração pública municipal?
Sem dúvida alguma. A regularização fundiária tem objetivos claros para o ente publico municipal. Podemos destacar:
a) assegurar a prestação de serviços públicos;
b) adequar unidades ao ordenamento territorial urbano;
c) reconhecer propriedade;
d) promover a integração social e a geração de emprego e renda;
e) concretizar o princípio da eficiência na ocupação e no uso do solo;
f) prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais
g) aumentar a receita tributária e combater a renúncia fiscal.
b. Quais ferramentas jurídicas um município deve ter para iniciar o processo de regularização de uma área urbana?
Inúmeros instrumentos foram criados ou condensados no novo marco criado pela Lei Federal 13.465, de 11 de julho de 2017.
De forma inicial o município deverá promover medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais para promover a integração ao ordenamento territorial e final titulação dos ocupantes através da legitimação de posse ou da legitimação fundiária.
Destaca-se a possibilidade de instituição do Direito Real de Laje, do Condomínio de Lotes, do Condomínio Urbano Simples, da Arrecadação de Imóveis Abandonados; do Consórcio Imobiliário e do Loteamento com acesso controlado.
O ente público municipal deverá estabelecer os procedimentos administrativos para a Reurb de Interesse Social (Reurb-S), que é a regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal e a Reurb de Interesse Específico (Reurb-E), sendo considerada a regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada como de baixa renda.
c. É possível elencar ações, ou seja, desenhar um passo a passo das ações que o município deve tomar para a regularização fundiária de um assentamento irregular?
A legislação federal (embora sem decreto regulamentador) permite entender quais são as ações do município para instauração da Reurb. Podemos, em apertada síntese, elaborar o seguinte roteiro:
1. Requerimento dos legitimados;
2. Elaboração do projeto de regularização fundiária;
3. Processamento administrativo do requerimento, classificação da modalidade e notificações;
4. Análise e saneamento do processo administrativo;
5. Aprovação do projeto de regularização;
6. Expedição da Certidão de Regularização Fundiária – CRF;
7. Registro da CRF e projeto aprovado com abertura de matrículas individualizadas.
d. Como os municípios tem se saído e quais os avanços desde que essa nova abordagem de regularização fundiária urbana foi sancionada?
Salvo exceções, os municípios não possuem equipes especializadas para a promoção da regularização fundiária urbana. Por consequência, a regularização fundiária urbana e rural acaba sendo diminuta.
O Estado de São Paulo dispõe do Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal. Em resumo, o programa fornece, mediante convênio de cooperação técnica, orientação e apoio técnico aos municípios para a regularização fundiária, através do Comitê de Regularização. Tal programa foi criado pelo Decreto Estadual nº 52.052/07, sendo regulamentado por Resolução da Secretaria de Habitação (SH nº 03/08), a qual aprova o Regimento Interno do Comitê de Regularização do Programa Estadual de Regularização de Núcleos Habitacionais – Cidade Legal.
Este comitê congrega os seguintes órgãos licenciadores: representantes da Secretaria da Habitação, Secretaria do Meio Ambiente, CETESB, SABESP e DAEE.
Após manifestação nos procedimentos de regularização fundiária pelo referido comitê será emitida uma “Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental”, pelos Secretários Estaduais das Pastas da Habitação e do Meio Ambiente, na hipótese de área ambientalmente protegida. Caso se constate que o núcleo habitacional não possua restrição ambiental, o referido certificado será expedido pela Secretaria Executiva do Programa.
e. Quais os maiores desafios que são enfrentados pelo poder público na questão?
No ambiente municipal, a falta de capacitação técnica é o maior entrave para a ocorrência do processo de regularização fundiária. Inexiste, na maioria dos municípios, o desenho mínimo do processo de regularização fundiária, tampouco sua incorporação nas rotinas de trabalho.
Mesmo com a instituição de normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (Reurb), os municípios não detém conhecimento técnico e administrativo para o desenho institucional dos processos de regularização. O desafio é fazer com que o novo marco legal, com seus inúmeros benefícios, possa ser concretizado nas esferas subnacionais.
Gove: governos municipais com mais eficiência e recursos